Entre tecidos

Os quilos que perdi, a pele que se afrouxou, olheiras perdidas no rosto, por dentro um não sei quê de estar quieta, parada, sem contar o tempo, só permanência, esvaziando vãos, ocos, meandros de nervos, estrias, ossos e peles com alguma gordura. A ideia do tempo passando é irreal, a folhinha conta, mas os olhos não. Algo doce e estático, a energia frouxa, pensamento em transe de calma. Algo se transforma, o futuro imaginado não tem representatividade neste momento, é só uma sombra do passado. Há um esgarçar de peles e células, que se recompõe em outras formas, esperançosas e cautelosas, confiantes, conformadas e certas de um novo tempo, onde tudo será medido, pesado, avaliado com critério, sem desperdícios. E este tempo que não passa... ele não precisa passar, existir é algo momentâneo e frugal, como a manhã silenciosa que não avisa que chegou. O café cedeu lugar ao chá, os pães recheados às torradas com geleias. O chocolate ainda tenta avançar nas noites dando um peso que não combina com a nova morada deste ser que renasce das dores e do imprevisto. Um anjo paira, balança-se próximo à cama bem feita, arruma de novo os lençóis, observa a água na cabeceira do criado-mudo e se afasta, talvez entre árvores verdes, fresquinhas, mortas do orvalho recente, e se vai numa balada para poder voltar. E a cicatriz acusa alguma dor, uma lembrança do que foi, como a costura de um saco de arroz, mas o barbante é fino, a coragem de se ver no espelho é mínima, pois não faz diferença, sentir sim, sentir o movimento peristáltico elucubração da vida que preenche as veias pálidas em sangue novo e suculento, livre das ameaças das células murchas e alteradas. O sangue circula, toda a noite, o dia todo, vinte e quatro horas e se higieniza e se limpa e não importa a pele flácida, a resistente e insistente capa protetora da vida frágil e resistente. Os quilos voltarão, talvez, alternando-se com etapas de esquisitice passageiras, mas voltarão, porque o tempo é de pessoas gordas e vacas magras. Evoé!!

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